Meu contato com Rita Lee, e, imagino, o de milhões de pessoas que entraram na adolescência nos anos 1980, foi “Mania de Você”, um estouro nas rádios de todo o país em 1979.
Não havia, no ar do Brasil daqueles tempos, nada mais
sensual que versos como “meu bem, você me dá água na boca/vestindo fantasias,
tirando a roupa”, pelo menos, nenhuma música que tivesse sido composta e
cantada por uma mulher.
Nos anos seguintes, nem lembro mais, sou péssimo nisso, quando
a Globo levou ao ar seu TV Mulher, coube a Rita escrever a música-tema do
programa, “Cor-de-Rosa Choque”, incluindo o que terá sido a primeira referência
explícita à menstruação na MPB (“mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”). O
sucesso foi enorme. Eram os primeiros anos da abertura política, e as centenas
de milhares de discos vendidos comprovavam, que havia um público enorme ansioso
pela liberdade e pela alegria que as letras e a própria persona de Rita Lee
Jones, que morreu em São Paulo nesta terça-feira (9), aos 75 anos, sempre
transmitiram.
Aos poucos, fui conhecendo o muito que Rita já havia feito
antes do sucesso radiofônico da parceria com o marido, Roberto de Carvalho.
Adolescente nos anos 1960, ela já estava lá, no olho do furacão do
tropicalismo, como vocalista dos Mutantes, o melhor e mais reconhecido dos
grupos de rock brasileiros.
Ela estava lá, ao lado de Gilberto Gil, cantando “Domingo no
Parque” no festival da Record em 1967, estava lá também quando Caetano Veloso
fez seu célebre discurso contra a esquerda estudantil na apresentação de “É
Proibido Proibir” no Tuca, em 1968.
Não teria havido Tropicália sem a liberdade e a anarquia dos
Mutantes, coisa que Caetano e Gil sempre reconheceram.
Depois de cinco álbuns excepcionais, Rita “foi saída” dos
Mutantes que, sem sua criatividade pop e sem a loucura de seu ex-companheiro
Arnaldo Baptista, viraram uma banda de rock progressivo brasileiro como dezenas
de outras.
Ela voltaria como líder de um grupo de roqueiros paulistanos
de ascendência italiana, o Tutti Frutti, o primeiro e mais famoso álbum da
banda, “Fruto Proibido”, de 1975, traz alguns de seus maiores clássicos, como
“Agora Só Falta Você”, “Esse Tal de Roque Enrow” (parceria com Paulo Coelho,
antes de ele ser promovido a mago) e principalmente “Ovelha Negra”, que talvez
seja seu melhor autorretrato, uma canção pop com a qual milhões de “ovelhas
negras” se identificam até hoje.
Rita faria ainda muita coisa depois do casamento e da
parceria com Roberto, dentro e fora do mundo da música, participou do movimento
pelas Diretas Já, escreveu livros, engajou-se em campanhas de proteção aos
animais, foi uma das participantes do programa Saia Justa, em sua melhor fase comandada
por Mônica Waldvogel.
E continuou rindo de tudo, inclusive de si mesma, ela
assumiria, não sem autoironia, o título de “Santa Rita de Sampa”, que batizou
um dos seus discos; também afirmava, modestamente, que preferia ser chamada de
“padroeira da liberdade”, não “rainha do rock brasileiro”, descrição que achava
(com razão) cafona.
Não pode haver clichê maior do que associar os termos “Rita
Lee” e “irreverência”, também não há como negar que uma foto dela seria a
melhor ilustração desse verbete em qualquer dicionário. E não há quem se
equipare a ela como mulher mais importante do rock e do pop brasileiros.
Rita já era o próprio girl power, empoderada, décadas antes
de esses termos surgirem e virarem moda. Em uma entrevista para o Jô Soares, Rita disse que chegaria ao céu cantando “thank you, Lord, finally
sedated” (obrigada, Senhor, finalmente sedada) e escreveu o próprio epitáfio:
“Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”.
Foi muito mais que gente boa. Rita ri por último, e viverá
para sempre.
Sucesso a todos
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