Boa tarde, gestores. Tenho notado que meu nome vem sendo citado, eventualmente, nas postagens de meus caros amigos e parceiros de jornada. E, certamente, para os leitores assíduos, muitos já devem estar se indagando sobre quem deve ser esse tal professor Luciano, que parece estar em todas, mas nunca publica nada. Sentido-me em falta para com todos, decidi compartilhar um pouco de nossas vivências em conjunto. Pelo menos, um dos muitos aspectos que temos vivenciado a respeito do Empreendedorismo no Brasil. E trata-se, com certeza, de uma verdadeira aventura o desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil. É verdade que concordo com Hashimoto quando este afirma que o brasileiro é, por natureza, um povo empreendedor. Mas apenas discordo em relação ao "naturalmente" e o substituiria por "historicamente". Afinal, o empreendedorismo, em nós, nasceu da experiência em adaptação.
Embora criatividade e inovação não resumam tudo o que o empreendedorismo é, ambas encontram-se na ação de foco empreendedor, pois a base da adaptabilidade está precisamente na criatividade e inovação.
E nesse contexto, a economia criativa emerge como uma das grandes tendências do empreendedorismo em inúmeros setores produtivos. Inicialmente, a economia criativa surgiu na Australia como alternativa de economia em um país com um déficit imenso. Os resultados, aliados a um contexto de economia social, foram imediatos e chamaram atenção de inúmeros outros países, que passaram a buscar conhecer esse conceito, denominado na ocasião de indústria criativa, e que constituiria um enorme diferencial produtivo. Apesar do envolvimento para compreender o conceito, o viés prático da economia criativa se impôs muitas vezes ao entendimento, gerando muitas definições diferentes, algumas delas, inclusive, limitando as possibilidades de aplicação e ramificação em outros campos que não sejam efetivamente culturais.
Economia Criativa e Empreendedorismo
O foco da economia criativa, ou das indústrias criativas consiste na produção ou constituição de bens de viés intelectual e/ou cultural. Pela definição de Edna Duisenberg, economia criativa consiste em
uma abordagem holística e multidisciplinar, lidando com a interface entre economia, cultura e tecnologia, centrada na predominância de produtos e serviços com conteúdo criativo, valor cultural e objetivos de mercado.
Embora a definição de Duisenberg colocar como pré-requisito para a economia criativa o valor cultural, no longo processo de identificação de um conceito, encontramos, por exemplo, o relatório da Unctad IX, onde lemos, acerca da economia criativa:
... é usado para representar um cluster de atividades que têm criatividade como um componente essencial, estão diretamente inseridas no processo industrial e sujeitas à proteção de direitos autorais.
Por esse olhar, não necessariamente existe a necessidade de tal produto ser parte de uma produção cultural mas, de certa maneira, ele impactará a cultura local, ou a levará em conta para constituir-se. Essa mesma produção, para alinhar-se com a economia criativa, não consistirá simplesmente em uma produção intelectual válida por si mesma, mas sim em consonância com planejamento estratégico, sendo concebida tanto para atingir a cultura quanto para gerar a resolução de um problema de maneira criativa. Exatamente por esse motivo, a ação da indústria criativa fundamenta-se em todo um contexto empreendedor. Vale, portanto, diferenciarmos economia criativa de empreendedorismo. O empreendedorismo é um perfil específico, que envolve atitude, consciência e modos de agir, que em geral podem ser entendidos como um olhar para fora do problema ou da situação local. Em outras palavras, o perfil empreendedor envolve interdisciplinaridade, visão sistêmica, olhar analítico, ação planejada, criatividade nas soluções e inovação nas propostas. A economia criativa exige as mesmas características, mas aplicada a um campo específico de produção, a intelectual criativa, que torna imprescindível a presença de criatividade e inovação. Porém, devemos considerar que para inovar é necessário possuir todas as demais competências empreendedoras. Assim, podemos concordar que a economia criativa utiliza a plataforma do perfil empreendedor como base, e se assenta sobre ela.
Economia Criativa - Solução para todos os Males?
Não se pode pensar que a economia criativa, enquanto parte integrante de todo um contexto de empreendedorismo, e sendo parte de uma grande tendência atual, implique na solução de todos os males do setor produtivo geral. Existem ainda muitas questões a serem debatidas e abordadas sobre o tema e suas práticas. Uma das questões que poderia ser colocada seria a respeito dos limites da economia criativa, e onde estamos envolvendo-a, ou decantando para um contexto de capital intelectual. Outra questão fundamental diz respeito a saber se a economia criativa deve limitar-se a produção cultural. O que podemos dizer a respeito é que economia criativa envolve um universo de planejamento mais amplo do que o uso do capital intelectual. Da mesma maneira, o capital intelectual não envolve, necessariamente a criatividade ou se envolve com um impacto cultural. Por outro lado, o próprio conceito de economia criativa não precisa, em uma primeira instância, limitar-se à produção de cunho cultural, mas levá-lo em conta ao propor suas soluções. O que a economia criativa envolve, e que não podemos nos descuidar, é da questão da autoria. Tomemos como exemplo a Toyota. Embora não seja um setor de produção cultural, o processo de montagem e de construção atua entre dois territórios: o primeiro diz respeito à funcionalidade e eficiência. O segundo diz respeito ao design. E, na realidade, se tomarmos o design como aquilo que diz como algo funciona, poderíamos definir um único território, o do design, dividido em dois campos, o da funcionalidade e o do estilo, que está sempre orientado ao horizonte cultural do cliente ao qual se destina. Nesse sentido, quando alguém tem uma ideia a respeito do design de alguma parte de um veículo, ele está gerando capital intelectual, e a Toyota paga por essas ideias. Mas esse mesmo colaborador, ao definir como esse elemento funcional deve ser concebido para se alinhar com uma tendência visual, ele está incidindo em uma produção cultural, e nesse caso, ele se posiciona como um autor. Mas, ao final da produção, de quem é a solução? Do colaborador ou da empresa? Se entramos no ramo de patentes, como ocorreria essa distribuição? Ou o produto final seria considerado um bem cultural intangível com funcionalidade industrial?
Outra situação ainda mais radical seria a concepção de um produto em estado de arte, a exemplo dos produtos da Apple. Nos antigos Macs com o OSX, Steve Jobs levava todos os criadores a assinarem o interior do gabinete do computador, justificando-se dizendo que um artista sempre assina sua obra. Os produtos da Apple são sempre concebidos para atingir a cultura vigente ou direcionar a cultura para alguma direção, alterando a forma como as relações sociais ocorrem. Com tamanha abrangência, todo o processo criativo da Apple seria incluído no conceito de economia criativa? Se for, então esse fator é o grande responsável pelo valor agregado aos produtos; é seu fator social e cultural que os torna diferenciados e coloca a Apple em um padrão diferente de empresas como a Dell.
O grande problema em posicionar históricos como esses na esteira da economia criativa reside principalmente na dificuldade atual de definir os parâmetros de economia criativa, como vimos nas definições de Duisenberg e no relatório da Unclad IX. De qualquer forma, o impacto de valor agregado de um produto com abrangência e impacto cultural é maior do que um produto eminentemente funcional, e isso foi o grande diferencial na Australia, o que levou países como a Inglaterra a investir e descobrir um caminho de capital criativo ou inovativo muito amplo, o que aponta para novos horizontes em nossos processos de produção.
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