Profissional Peter Pan

Olá, pessoal!

Depois de umas longas férias, estamos de volta nesse canal de empreendedorismo colaborativo. Os professores mantiveram-se guerreiros, mantendo atualizado o blog nesse período. E agora, retorno ao rol dos colaboradores.

Profissional Peter Pan

"Sinto muito. O senhor tem boa qualificação, mas não possui o perfil de postura profissional da empresa" . Quantas vezes você já ouviu essa justificativa como a sentença final de uma reprovação em uma entrevista de emprego? Ou após um período de experiência?
Nessas situações, você considerou que essa era apenas uma desculpa padrão?
É melhor reconsiderar a questão! Afinal, se a justificativa dada aponta para qualificação, mas postura profissional inadequada, então podemos estar diante de um problema cada vez mais comum no mercado de trabalho, e que talvez justifique a frequência cada vez maior dessa justificativa quase padrão de reprovações. Trata-se, talvez, da síndrome de Peter Pan.
Para entendermos no que consiste essa síndrome da contemporaneidade, vamos compreender um pouco a história.
Quem é Peter Pan? Peter é um garoto (ou talvez, um homem) que sofre de um grande dilema: ele não quer crescer e se tornar adulto. Para conseguir realizar tal façanha, ele vive na Terra do Nunca, pois lá, dentre outras coisas, ele nunca irá crescer. Mas por que Peter não quer crescer? Por algumas vantagens inerentes a ser sempre criança: tudo é uma aventura, tudo é descoberta, não ter de assumir responsabilidade, não ter de lidar com a causalidade, nem tampouco viver sob o martelo do tempo. Em outras palavras, viver despreocupadamente para sempre é o lema de Peter Pan.
Assim é o profissional Peter Pan. Ele pode ter muitos talentos e ser muito competente, o que faz com que muitas empresas se interessem por ele a princípio. Mas o problema é que esse profissional, assim como nosso personagem, não quer crescer, nem assumir responsabilidades, nem viver sob a tutela do tempo.
Na Terra do Nunca, existe uma contraparte de Peter Pan: os adultos piratas liderados pelo Capitão Gancho. O Capitão é estressado, furioso, vive vociferando com seus homens e jurando causar o fim de pessoas como Peter. O Capitão é como muitos adultos que se tornaram tiranos em suas vidas profissionais. Tiraniza a todos, mas vê em pessoas como o profissional Peter Pan algo extremamente incômodo, e os persegue incansavelmente. Só existe uma coisa que o Capitão Gancho teme: o crocodilo, que já devorou um braço do Capitão, e também o relógio, que se tornou o sinal de sua aproximação. A presença do crocodilo é sempre anunciada pelo tic tac contínuo de um relógio. O simples som do relógio já causa paralisia e terror sobre o Capitão.
Assim como o Capitão, vivemos nossas vidas, nossos planos seriamente, mas nada nos atemoriza mais do que o tempo que cronometra nossas  ações. O tempo que surge como prazo e cronogramas em nossas vidas é como o tic tac do crocodilo, que sempre ameaça nos devorar. É, também, um chamado para nossa responsabilidade sobre o que fazemos. Por isso, o adulto Capitão teme o crocodilo. Mas Peter Pan não teme o terrível predador. Afinal, ele está na Terra do Nunca, e o tempo nunca cairá sobre ele. Assim é o profissional Peter Pan. Ele não se preocupa com o tempo. Na verdade, essas pessoas costumam ignorar que o tempo existe. Ostensivamente ignoram prazos, descumprem cronogramas e chegam sempre atrasados. A recusa para com o tempo é uma recusa à vida adulta. É uma recusa à responsabilidade.
O Capitão foge do tempo. Gostaria que o tempo não existisse, para não devorá-lo. Mas o Capitão é adulto. Ele não gosta do crocodilo, mas não nega que ele exista. Já Peter ignora o tempo. O profissional Peter também. Quando atrasa, ele não pede desculpas pelo atraso. Quando descumpre um prazo, ele não se mostra angustiado. Ele mostra surpresa. "Nossa, estou atrasado?" - "O prazo era até ontem? " - "Quebrei o cronograma? Mas que dia é hoje?". Todas essas atitudes são atitudes alheias, ou alienadas. Surpresa com a existência do tempo, que parece não fazer parte de sua vida comum.
Quem sofre dessa síndrome também apresenta outro agravante: não aceita a causalidade. Quando agimos no mundo, nossas ações afetam as pessoas ao nosso redor. O profissional Peter Pan não aceita as consequências de seus atos. Quando é mandado embora, ele não vincula sua demissão com suas posturas, pois ele não estabelece a relação causa-efeito sobre o que faz.  E, na realidade, ele não quer estabelecer essas relações, pois isso implica em assumir a responsabilidade por tudo o que se faz e por toda a decorrência daquilo que se fez. Isso implica em criar um vínculo com nossas decisões. Em outras palavras: assumir a causalidade sobre o que fazemos significa tornar-se adulto, algo que Peter Pan não quer. O personagem, por exemplo, não sabe por que o Capitão Gancho o odeia. Mas o motivo de tanta raiva se deve ao próprio Peter: com sua irresponsabilidade, ele sempre vive suas aventuras provocando, ferindo, atingindo e ameaçando ao Capitão e sua tripulação. Mesmo Wendy é ferida pelas ações de Peter, que não percebe que sua atitude despojada acaba fazendo com que ela assuma as responsabilidades sobre os próprios Garotos Perdidos.
Na realidade, Peter entra em crise quando percebe que, com seu modo de ser, ele perde Wendy, que retorna para o mundo das pessoas que precisam crescer. No começo, Peter atrai Wendy. Suas aventuras, sua aparente inocência que não reconhece os efeitos reais de suas ações, atitudes tão parecidas com a de crianças irresponsáveis, é atraente no princípio. Mas chega um momento que Wendy precisa contar com um comportamento adulto, que Peter sempre evita. Por isso ela o deixa. O curioso é que Peter Pan sabe que, mesmo para compor uma família, é necessário um adulto. Por isso ele leva Wendy para a Terra do Nunca, para que ela se torne mãe dos Garotos Perdidos. O profissional que sofre da síndrome de Peter Pan enfrenta os mesmos problemas.
Suas atitudes prejudicam sua equipe, seu descompromisso faz com que seus companheiros jamais confiem nele, embora tenha grande potencial. Quando confiam, ele acaba gerando decepção naqueles que apostaram nele e delegaram tarefas fundamentais para projetos que ele não realizou, simplesmente por  fugir de compromissos ou prazos.
Apesar disso, ele reconhece a importância da responsabilidade, do compromisso, desde que sejam outros que manifestem esses atributos.
Esse tipo de pessoa costuma perder amigos, afundar bons relacionamentos, ser desconsiderado quando as pessoas procuram alguém com quem contar. Ele quer viver na Terra do Nunca, e acaba vivendo sozinho, perdendo todas as conquistas que somente a vida adulta pode proporcionar, com toda a sua parcela de responsabilidade e compromisso.
O bom profissional é aquele que consegue manter o caminho do meio. O caminho escolhido por Wendy. Ela não se tornou como o Capitão Gancho, amargurada por ser adulta e ter de lidar com o Tempo, a Causalidade, a Liberdade e a Responsabilidade. Também não se alienou da vida, buscando uma idílica e onírica Terra do Nunca, onde o preço da liberdade é a contínua negação da vida adulta.
O bom profissional é aquele que sabe encontrar espaço para todas as coisas, e não vê como negativas as próprias características da vida e da ação comunicativa entre os homens.

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