O Herói do Capitalismo Tardio

O Herói do Capitalismo Tardio

O Capitalismo moderno, ou Neocapitalismo pode ser representado por uma figura aparentemente insuspeita do cenário infanto-juvenil. Ainda me lembro quando, no início dos anos 90, monitores em vários lugares de São Paulo (e de todo o mundo capitalista) foram inundados por sons de moedas, caixas registradoras e um pequeno e veloz porco-espinho. Sonic - The Hedgehog rapidamente atingiu o índice de melhor jogo do ano e desbancou o até então insuperável Super Mário. No entanto, o que havia naquele porco-espinho azulado, que mal podia ser visto na tela de tão rápido que conquistou o mundo todo, tanto crianças quanto adultos?
Para mim, uma análise metafórica rapidamente esclarece a questão. Sonic é a metáfora do capitalista moderno, com todas as suas contradições internas.
O porco-espinho tinha uma missão: em todos os seus jogos, ele combatia o Dr. Robotnik, um cientista ganancioso que investia em tecnologia e transformava as florestas e vales naturais em indústrias, e todos os animais em máquinas ciborgues que trabalhavam continuamente para ele. O objetivo de Sonic era destruir as carapaças de robô, libertando as criaturas, vencer o doutor ao final de cada fase e pressionar o botão em uma máquina, libertando dezenas de bichinhos felpudos. O game em geral começava em ambientes muito coloridos e naturais e terminava em grandes indústrias de concreto, repletas de armadilhas.
Esse enredo não é muito diferente da vida moderna, onde muitos movimentos surgem, buscando a utopia onde os homens sejam libertos da escravidão do trabalho contínuo nas indústrias ou nas grandes Corporações, representadas pelo terrível Dr. Robotnik. Trabalhadores robotizados, expostos a uma rotina desumana tem como ideal a fuga para o campo, e o êxodo urbano é um resultado do desgaste de um sistema econômico selvagem que muito contribui para a rejeição da vida nas grandes metrópoles.
Embora a grande maioria das pessoas sinta um mal-estar em viver na sociedade contemporânea, onde todas as ações tornam-se mecanizadas e controladas pelo relógio, a verdade é que não conseguimos viver em um mundo sem as conquistas do capitalismo. Essa é a grande contradição interna do capitalismo. Muitos desejam se libertar dele, mas não conseguem conceber um mundo sem ele.
Assim como Sonic combate a indústria utilizando tênis, construções, pavimentações construídas pela mesma indústria, muitos usam dos benefícios do capital para criticar o capital. Usa-se a internet para combater as grandes empresas e quando saímos para nossa paradisíaca viagem para o campo, levamos nosso GPS, nosso notebook, nossos veículos e celulares, pois precisamos de conforto. E se, para onde formos, não tiver chegado a eletricidade, instaura-se o caos em nossa percepção da vida. Logo voltamos aliviados para os prédios, a rotina e as belas luzes da cidade capitalista e corporativista que condenamos.
É curioso que Sonic combata a escravização industrial mas, paralelamente, procure coletar o máximo de argolas de ouro, que tilintam como moedas a cada coleta, e esmiuce toda a fase em busca das Esmeraldas do Caos, que o tornarão superpoderoso (rico, talvez, uma vez que, sendo pedras preciosas, quando em sua posse, tornam todas as coisas possíveis. Uma metáfora da riqueza como fonte de recursos infinitos). Também é curioso que a maioria dos itens que o ajudam a derrotar o Dr. Robotnik estejam guardadas dentro de televisores, objetos representativos do consumo, da propaganda, da fabricação de produtos, e que nada têm de origem natural. São os construtos da indústria que Sonic usa para combater a indústria.
Como todo filho do capitalismo moderno, Sonic é exigente. Espera respostas imediatas, e não tolera esperar. Basta que o jogador pare por um segundo e a impaciênia e ansiedade de Sonic se manifestem. Ele bate os pés no chão, olha com cara feia e manifesta tédio com a espera. Ele quer, assim como nós, correr, sempre correr, pois a ansiedade da vida contemporânea nos impede de permanecer parado, em um mundo onde o cronômetro é um rei tirano.
Sonic, assim como nós, é um capitalista, embora talvez não tenha se dado conta disso. Combate o sistema, mas é fruto dele. Não por acaso, ele nunca consegue destruir o Dr. Robotnik. Este sempre foge e volta no jogo seguinte.
A contradição de Sonic é nossa contradição porque ainda não assumimos nossa posição nesse mundo. A história já nos mostrou o que acontece com um mundo sem o capitalismo. O exemplo da Rússia foi bem claro, assim como o de Cuba e da China que, para não se ver arruinada, recorreu feliz para o capitalismo como solução para a crise interna causada pelo regime comunista.
No entanto, o capitalismo não é perfeito e, em muitas situações, causa um mal-estar. Sonic não é capaz de destruir a indústria porque o que haveria no lugar dela? Onde encontraria os televisores com todos os ítens maravilhosos que ele adora? onde encontraria todas aquelas vias pavimentadas e os trampolins para exercitar sua sede de velocidade e seus tênis novos? Onde poderia saciar sua ambição por riqueza, se não houvesse mais as argolas de ouro para coletar, ou se não houvesse mais nenhum referencial de valor que justificasse coletá-las? O que Sonic busca, ao final das contas, é o mesmo que muitos empresários estão procurando hoje: um capitalismo humanista, com qualidde de vida, pensando na sustentabilidade de recursos e processos, e dotado de responsabilidade social e não, como vimos recentemente, um regime mecanicista, desumano e apenas voltado ao lucro, como o das mineradoras de San José, que acabou resultando no confinamento subterrâneo de todos aqueles mineradores. Por isso, Sonic é a metáfora do neocapitalismo, do empresário e do empreendedor consciente de seu papel no mundo, que busca um capitalismo mais humano e menos máquina. Sonic é o herói da modernidade!  

Comentários

PMG&E disse…
Parabéns pelo retorno triunfal ...Companheiro Luciano!!!
Desculpe pelo tracadilho, mas é que estavamos com saudade de suas postagens; por favor não fique fora deste meio de comunicação Ok

Att.
Luciano disse…
Não ficarei fora, de modo algum. Problemas com acesso à rede impediram-me de tecer nossas agradáveis comunicações, mas nada que não pudesse ser solucionado.