Maquiavel mudou o mundo. Não necessariamente o seu mundo, pois ao escrever O Príncipe, buscava ele apaziguar os ânimos dos recém líderes da Itália, os Médici, até então, seus inimigos. Não conseguiu êxito, sendo banido da Itália até o fim da vida.
Não obstante, Maquiavel mudou o mundo. Alterou totalmente o modelo de gestão, seja política ou empresarial, criando novos e mutáveis paradigmas, antecipando em muito os conceitos de liberdade e existencialismo de Jean Paul Sartre, ou o princípio do relativismo moral de Friedrich Nietzsche.
Uma das grandes críticas dirigidas a Maquiavel, que acabou cunhando a expressão maquiavelismo, querendo representar a pessoa fria e imoral que planeja e arquiteta o mal dos outros, na realidade foi fundada sobre o princípio da moralidade orientada aos fins, aos objetivos propostos por alguém, no caso o futuro monarca, ou um futuro CEO, em nossa sociedade contemporânea. E o aspecto negativo atribuído a essa postura se deu, não por outros motivos, mas sim principalmente por ter sido levado a cabo por seus detratores, além de atentar contra o fundamento básico das relações comerciais e políticas de sua época: o direito divino dos reis, outorgado pela Igreja, e a vinculação das ações com princípios morais entendidos como eternos e de origem igualmente divina e imutável.
A grande alteração de estrutura e de paradigma proposto por Maquiavel atacava, de modo lógico, os seguintes pontos:
- Removia o pilar de imobilidade da moral: os princípios morais, preestabelecidos pela Igreja como um padrão de comportamento, são deslocados para os fins e os contextos de relações. Os fins ditam os meios e a configuração dos relacionamentos, dos lugares e dos momentos históricos criam as validações morais;
- Removia as validações religiosas conferidas às ações, delimitando o certo e o errado também aos fins. A Igreja não seria mais o referencial de julgamento das ações, mas sim o contexto e os fins. Ou seja, os fins passam a ser o parâmetro para a escolha dos meios, de onde viria a expressão simplificada os fins justificam os meios.
Essas duas mudanças propostas por Maquiavel alteram totalmente o patamar de ações. Elas não nos lançam na imoralidade, ou na amoralidade, como afirmam seus detratores, e nem tampouco nos lança no princípio da incerteza. Mas ela cria novos referenciais, referenciais dinâmicos que exigem uma participação muito diferente do líder e do gestor.
Antes de Maquiavel, bastava conhecer os cânones estabelecidos pela Igreja e, quaisquer que fossem os fins estabelecidos, os modos de agir já estavam determinados pelos referenciais religiosos.
Maquiavel mostra que aqueles referenciais não são sempre válidos. Seguir sempre o estabelecido como ação implica em escolher, muitas vezes, meios incorretos para atingir certos fins. E, quaisquer que fossem os resultados, a responsabilidade era removida do monarca. Ele apenas fizera o que todos os meios culturais da época orientavam.
No entanto, alertava o pensador, esse princípio de ação torna-se maquinal e implica no erro, não obstante gere uma zona de conforto. Sua proposta é diferente.
Uma vez determinado um objetivo, deve-se ponderar sabiamente sobre quais os melhores e mais eficazes meios para se obter aquele fim. Os parâmetros são atingir o fim com o mínimo de perdas e o máximo de economia. Implica em escolher os modos de atingir plenamente os objetivos, de modo a gerar qualidade em todas as proposições posteriores.
Fazer isso com tamanho êxito e assertividade não é simples. Maquiavel nos lança em um mundo mutável, onde as supostas leis estabelecidas não são válidas, pois temos sempre de levar em consideração a realidade histórica na qual estamos inseridos. Em um contexto histórico, conquistar uma região sem perda de vidas pode significar mandar poderosos exércitos sitiar o local. O cerco causaria a rendição em pouquíssimo tempo, sem desgaste e com o máximo de êxito. Em outras condições históricas ou configurações sociais, a melhor forma seria propor acordos comerciais vantajosos, ou uma aliança contra um inimigo comum. Os meios variaram conforme a situação para atingirem o mesmo fim. É por isso que O Príncipe é tão repleto de citações históricas bem pontuadas. Uma vez retirado o solo metafísico e imutável de ações, entramos no dinamismo da realidade histórica, social e econômica da vida, e nossas ações devem ser contextualizadas e atualizadas para obterem o êxito certo. Esse é o princípio do que hoje chamamos de cultura organizacional, isto é, organizar a empresa de acordo com o contexto do meio onde estamos. Quais os fins de sua empresa? Qual a proposta dela? Como as demais empresas se comportam diante de certas posturas? Como o corpo de funcionários se torna mais otimizado e motivado? A escolha da cultura organizacional leva em conta todas essas questões porque, como Maquiavel, consideramos que não existem cânones estabelecidos sobre as regras de ação. Existem parâmetros orientadores, mas mesmo esses parâmetros são móveis.
Quanto à alegada imoralidade residente nos meios, uma vez descontinuados de sua relação com valores universais, tal ocorrência ocorre tão somente se a escolha dos fins já se mostrar antiética. A responsabilidade por más ecolhas recai sobre os homens que deliberam. e se um dos fins escolhidos por uma empresa for atingir a liderança de mercado, mantendo a qualidade de vida de meus colaboradores, e estabelecendo boas relações com as demais empresas, garantindo o princípio da competição saudável, dificilmente as escolhas dos meios irão incorrer em violações éticas sobre os funcionários, pois todos os meios visarão a qualidade de vida dos colaboradores, e de modo algum as decisões tomadas, salvo em caso de más escolhas de meios, esbarrarão nos princípios das leis antitruste, pois já foi estabelecido como fim a manutenção de uma competição saudável de mercado. Os meios escolhidos, portanto, visarão o crescimento e a tomada de liderança da empresa no mercado, mas as escolhas dos meios visarão preservar as boas relações empresariais, caso contrário, o meio escolhido deverá se preterido, já que ele não foi o meio mais eficiente para se atingir o fim proposto.
É verdade que tudo recai sobre os objetivos escolhidos, mas essa não é a base de um plano de negócios sólido? A escolha consciente e planejada deve gerar a escolha de objetivos mais sóbria para a empresa, e deve ser levado em conta que essa escolha deve respeitar o contexto histórico e social no qual vivemos, os valores defendidos na época, e os princípios de relações nos quais estamos inseridos. Essa é a base da gestão orientada a fins, e é a base da ação comercial-social responsável.
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